Tenho visto com alguma apreensão algumas reacções negativas por parte de uns poucos populares dos Açores, que andam pelas redes sociais a espalhar comentários contra a instalação da futura base espacial dos Açores.
Todas as pessoas têm direito à sua opinião, mas o problema é quando algumas dessas pessoas têm voz influente sobre a população e fazem comentários menos informados sobre a área aeroespacial e sobre as vantagens deste projecto enquanto grande investimento para a região dos Açores.
Quero pois deixar aqui algumas clarificações sobre os argumentos apresentados num artigo que foi publicado no jornal Diário dos Açores.
«Os Açores não têm empresas que possam integrar a lista de fornecedores da indústria de satélites, não têm engenheiros especializados nas áreas necessárias a esta cadeia de valor e nem têm fontes naturais com as matérias primas necessárias à construção destes equipamentos de alta tecnologia;»
Os Açores não têm, mas podem vir a ter. Quando a Autoeuropa foi fundada em Palmela, à sua volta também nada existia. E com a sua implantação, muitas empresas foram criadas e se desenvolveram nas zonas adjacentes à fábrica ou nessa região. Hoje é incontestável a importância da implantação da fábrica para a região de Setúbal e mesmo para o nosso país. Este projecto terá um impacto alavancador a nível económico e tecnológico para os Açores e para Portugal.
«A Universidade dos Açores, instituição que poderia treinar quadros tão especializados, não tem essa oferta formativa e não possui professores habilitados a leccionarem estas disciplinas.»
A universidade dos Açores não tem, mas pode vir a ter. Tendo em conta que está previsto também a criação do pólo de investigação Azores AIR Center, será fundamental alargar a oferta da universidade para tirar proveito das futuras sinergias das empresas e centros de investigação que irão participar no AIR Center. Além de que já existe em Portugal no Instituto Superior Técnico, na Universidade da Beira Interior e na Universidade Atlântica, cursos de Engenharia Aeroespacial que estão directamente ligados ao estudo e desenvolvimento de naves aeroespaciais. E a Universidade dos Açores já tem cursos como a Engenharia Mecânica e Engenharia Eletrónica e de Computadores, que estão também directamente ligados à indústria aeroespacial, tanto a nível de fabricação de peças, desenvolvimento de equipamentos electrónicos e programação dos diversos sistemas de controlo.
«As poucas empresas portuguesas que operam nesta área vivem, há uns anos a esta parte, com sérias dificuldades financeiras e dificilmente sobreviverão.»
É precisamente em Santa Maria que a Edisoft tem há já vários anos diversos sistemas fundamentais na área do espaço. Entre eles está a Estação de Rastreio de Lançadores que é uma estação fundamental para garantir o sucesso de missões como os lançamentos dos foguetões Ariane 5 e do futuro Ariane 6 da Agência Espacial Europeia (ESA). Além da recepção da telemetria dos foguetões Ariane, a estação funciona também como uma das estações terrestres para os satélites de navegação da constelação Galileo. A Edisoft anunciou também a expansão da sua estação que terá em breve a funcionar uma nova antena de 13,5 metros, que está em fase final de testes e que será fundamental para as comunicações da ESA para naves espaciais em Espaço Profundo.
«É na Linha do Equador que se tem a maximização do impulso no foguetão quando este é lançado sincronizado com o movimento de rotação da Terra; (…) Ora, Santa Maria está entre os paralelos 36º55N e 37º01N, muito longe do zero da Linha do Equador.»
Uma base de lançamentos não tem de estar necessariamente em cima da linha equatorial, nenhuma está. Essa localização equatorial trás um beneficio ao nível da poupança de combustível, mas esse beneficio tem de ser também ponderado com a proximidade com a Europa, para facilitar o transporte para o local dos equipamentos necessários. Os Açores são portanto para a Europa o melhor sítio, por excelência, para a localização de uma base de lançamentos espaciais. Não só está bastante próximo da linha equatorial, como está também muito mais próximo do continente Europeu do que a actual base de lançamentos da ESA, que se encontra na Guiana Francesa na América do Sul. Tem ainda uma outra grande vantagem sobre outras possíveis bases de lançamentos na Europa: está no meio do oceano Atlântico sem grandes zonas populadas a Sul. Enquanto outras bases de lançamentos têm “corredores” de lançamentos bem definidos e restritos, para evitar que os foguetões sobrevoem zonas habitadas, nos Açores terão uma verdadeira autoestrada de 8 faixas para os lançamentos, que permitirão lançar satélites para diferentes órbitas sem colocar em perigo qualquer população. A ilha de Santa Maria tem já um grande aeroporto e porto marítimo que permitirão o transporte de todo o tipo de equipamentos necessários para as operações da base espacial.
«Assim, tendo em conta o risco da queda dos veículos de lançamento dos satélites em zonas habitadas de Santa Maria, São Miguel ou Terceira, a poluição que decorrerá da queima de elevadas quantidades de combustível durante os lançamentos e o enorme ruído que se fará ouvir no momento do arranque de cada subida»
Os foguetões serão lançados para Sul precisamente para evitar qualquer zona habitada. Em relação à questão ambiental, importa esclarecer que esta base será para lançar foguetões de pequena dimensão. Estamos a falar de foguetões de aproximadamente 20 metros de comprimento e 1,5 metros de diâmetro com capacidade de combustível muito inferior aos grandes lançadores que habitualmente colocam grandes satélites em órbita, ou que levam astronautas até à Estação Espacial Internacional. Estes veículos são muito mais económicos e muito menos poluentes do que outros foguetões maiores. Um dos foguetões que está a ser equacionado é o da empesa Inglesa Orbex que utiliza um motor de bio-propano e segundo esta empresa é 90% menos poluente do que os motores actuais que usam combustíveis como o RP-1.

«Não haverá nenhuma transferência de tecnologia para as empresas açorianas, nem os engenheiros residentes na Região ganharão quaisquer competências específicas neste sector de tecnologia de ponta.»
Portugal tem já ao dia de hoje muitas empresas que desenvolvem tecnologia espacial para a Europa e para o resto do mundo. Essas tecnologias Made In Portugal permitem que grandes empresas do sector espacial como a Boeing, SpaceX, Thales, etc e agências espaciais como a ESA e NASA, possam realizar as suas missões como o envio de sondas a Marte ou astronautas para a Estação Espacial Internacional. Se Portugal já desenvolveu esta indústria extremamente especializada, com empresas e investigadores portugueses, como é que uma base de lançamentos orbitais e um pólo tecnológico e de investigação não irão trazer benefícios tecnológicos e económicos para os Açores?
Um projecto para o Futuro!
Em suma, este projecto e este investimento é do interesse de todos nós que venha para os Açores e para Portugal. As nossas empresas têm muito a ganhar, assim como as nossas universidades, pólos de investigação, professores e estudantes. Será um local único no país e possivelmente dos poucos previstos nos próximos anos para a Europa e que sem dúvida tem muitas vantagens geográficas em relação a outros locais que estão a ser equacionados para futuras bases espaciais europeias. Será uma âncora para captar investimentos da área aeroespacial para Portugal e que terá benefícios a todos os níveis económicos e tecnológicos.
Vasco Pinheiro
Fundador do Clube Espacial Português